domingo, junho 17, 2007

comprando e transando: a tradução

Ao sair do teatro, após assistir à peça Shopping and Fucking, dirigida por Fernando Guerreiro, o espectador tem a sensação de despertar de um estado de transe. A sociedade hipócrita em que se está inserido o empurra para tal. Após uma análise mais fria e sensata, é que se chega ao verdadeiro teor da proposta apresentada na obra.
Shopping and Fucking é montada a partir de um texto duro e crítico de Mark Ravenhill. Um dos mais polêmicos escritos na década passada. Com objetividade e sem meias palavras, critica ferozmente essa conjuntura humana atual, sustentada apenas pelas relações de consumo exacerbado. É como se fosse um processo de “coisificação” do homem. Tudo é “comprável”: as emoções, os sentimentos, as necessidades, os desejos.
A direção precisa e incontestável de Guerreiro dá a medida exata do espetáculo. Ele usa e abusa do sexo, não para falar de sexo, mas de consumo e dependência, questões enraizadas e inerentes ao ser humano. Outro ponto relevante foi não ter aderido à “baianização” da situação e suas peculiaridades, fugindo do ridículo.
Os atores estão na média. Boa média, por sinal. Jussilene Santana, segura e flutuante é o destaque, ao lado de Celso Jr., com suas aparições surpresa, e não menos pontuais e importantes. Apenas o mais jovem e promissor ator, Emiliano D’Ávila, ainda não alcançou a precisão e tom dos companheiros. Um carro de modelo bem antiquado é o comandante do cenário. Aliás, nada melhor do que um automóvel (apesar de chutado e mal tratado!), o símbolo mor do “capitalismo selvagem”, parafraseando os Titãs.
O âmago do espetáculo é detonar o comportamento das sociedades contemporâneas, que põem em pé de igualdade as dependências humanas: sejam elas físicas ou emocionais. E o
interessante é a forma de abordagem do assunto. É preciso sensibilidade, percepção e preocupação com o que acontece ao redor, para compreender o cerne da questão. O que está explícito na encenação é um grupo de pessoas balbuciantes e meio sem norte. Ávidos por sexo e drogas, e fazendo disso a base de suas vidas, os personagens de Shopping and Fucking transam e transam muito. O que talvez incomode os mais conservadores e desavisados é a riqueza de detalhes sugeridos em tais cenas.
Por abordar temas comuns aos seres humanos em geral, pode-se definir a peça como algo existencialista e universal. A iminente discussão sobre a realidade que ela oferece deve ser avaliada com alto grau de rigor, visto que o panorama do vale-tudo presente no mundo moderno é algo angustiante e longe de agonizar.